EVANGELHOS APÓCRIFOS FALAM SOBRE JESUS : A HISTÓRIA SECRETA DO CRISTIANISMO - O JESUS PROIBIDO

A história secreta do cristianismo

Texto Michelle Veronese
Em 1945, um pastor encontrou um jarro de cerâmica numa gruta próxima a sua aldeia no Egito. Ao abri-lo, achou vários livros escritos em idiomas que ele não compreendia. Algumas folhas amareladas serviram alimentaram o forno a lenha de sua casa. As restantes caíram nas mãos de um religioso local, circularam no mercado de antiguidades e foram resgatadas por um funcionário do governo egípcio. Mais tarde, descobriu-se que a “lenha” era um tesouro de valor incalculável: a coleção de Nag Hammadi, 13 livros com 1 600 anos e histórias que a Igreja tentou abafar durante todo esse tempo. Mas não conseguiu. Depois de sobreviver ao tempo e à censura religiosa, o achado tornou-se o maior e mais importante acervo de evangelhos apócrifos, literatura que tem ajudado a elucidar vários mistérios sobre as origens do cristianismo.
Tesouro dos primeiros cristãos
A maioria dos escritos de Nag Hammadi foi produzida entre os séculos 1 e 3 e seus autores faziam parte das primeiras comunidades cristãs. Nesse acervo, é possível conhecer livros que ficaram de fora do Novo Testamento, como evangelhos de Tomé e Tiago. O interessante desses relatos é que destoam bastante do que aparece na Bíblia. Neles, Jesus tem um lado humano, Madalena é uma grande líder, Deus é um princípio masculino e feminino... Diferenças polêmicas que deixam claro por que os apócrifos sempre foram uma pedra no sapato da Igreja. “Eles representavam outro cristianismo, não oficial, marginalizado”, explica o padre e teólogo Luigi Schiavo, professor do Departamento de Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás. “Eles têm grande valor histórico e religioso porque mostram novas interpretações sobre a figura de Jesus na origem do cristianismo”, enfatiza o especialista.
Naquela época não havia um cânone – nome dado ao conjunto oficial de livros que compõem a Bíblia – mas vários textos, cada qual escrito pelas diferentes seitas existentes, que registravam seus próprios valores e crenças sobre a origem do mundo e da vida, sobre Deus e o messias. E havia muitas divergências. Os docetas, por exemplo, negavam a realidade material de Cristo. Consideravam que Jesus possuía um corpo etéreo e que, por isso, não nasceu nem foi morto na cruz e muito menos ressuscitou. Os ebionitas, por sua vez, defendiam que Jesus tinha nascido de forma natural e só depois de batizado é que Deus decidiu adotá-lo. Já os ofitas acreditavam que Caim era o representante espiritual mais elevado. Para eles, a morte de Jesus foi um crime do Universo, mas um evento necessário para a salvação da humanidade.
Um dos grupos mais influentes do cristianismo primitivo foi o dos gnósticos, que adotavam uma vida ascética, negavam a matéria e acreditavam que o conhecimento era o caminho para a salvação. Algumas facções também defendiam que Deus possuía um princípio masculino e outro feminino. De fato, as mulheres desses grupos atuavam como mestras, líderes e profetisas – uma idéia ainda hoje revolucionária para a Igreja.
E havia também o chamado cristianismo apostólico, baseado nas narrativas dos primeiros discípulos de Jesus. Eles contavam que o messias havia morrido na cruz para salvar a humanidade e aos seguidores cabia a missão de espalhar sua mensagem pelo mundo. Essa tradição começou a ser registrada por volta dos anos 30 e 40 do século 1, em livros como os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João. Esses textos eram lidos por muitos grupos, que os consideravam os relatos mais antigos e precisos da vida de Cristo.
A babel de cristianismos resistiu até o século 2, quando alguns bispos decidiram organizar as Escrituras. “Eles precisavam adotar um cânon definitivo para que a religião pudesse se expandir”, explica o frei Jacir. Mas para isso não adiantava traduzir os textos para várias línguas e divulgá-los entre vários povos. Era preciso aparar as diferenças e chegar a uma espécie de “versão oficial”. Na hora de selecionar os livros, o espírito democrático que permitiu a existência das diferentes versões deu lugar às disputas de poder.
Por uma versão oficial
As igrejas maiores e mais influentes tentaram impor seus textos, o que as menores não aceitavam. Havia debates e acusações mútuas de heresia entre elas. A peleja continuou até o século 4, quando tudo indicava que o cristianismo apostólico iria prevalecer sobre os outros cristianismos. Seus 4 evangelhos já eram populares naquela época e, desde o século 2, eram elogiados pelos pensadores da Igreja. Mas faltava tornar esses livros oficiais.
Foi quando o imperador de Roma, Constantino, entrou em cena e interveio no impasse. Na época, com o império em crise, ele precisava de uma bandeira para justificar a expansão e convencer outros povos a aceitarem seu domínio. E a solução estava numa aliança com os cristãos, que por sua vez desejavam espalhar a mensagem de Jesus mundo afora. “Constantino percebeu que era uma grande oportunidade e decidiu fazer do cristianismo a religião oficial do império”, explica o frei Jacir.
Os cristãos deixaram de ser perseguidos em 313 e apenas 12 anos depois seus bispos foram convocados para o Concílio de Nicéia, primeiro passo dado para a criação do Novo Testamento. Na reunião, os evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João foram escolhidos para narrar a biografia de Jesus por uma razão simples: expressavam a visão dominante na Igreja. E todos os demais foram considerados apócrifos, falsos e perigosos para o estabelecimento do novo livro.
Começou, então, a perseguição a todos que ousavam discordar da recém-formulada Escritura Sagrada. Os gnósticos, docetas, ebionitas e ofitas foram acusados de heresia. Os que insistiam em desrespeitar o cânon eram punidos com a excomunhão ou a morte. Dezenas de livros – ou centenas, já que ninguém sabe ao certo quantos eram – foram destruídos ou queimados. Foi nessa época que alguém decidiu esconder 13 volumes numa gruta, na aldeia de Nag Hammadi, no alto Egito – talvez um cristão perseguido ou um monge do Mosteiro de São Pacômio, que ficava ali perto. Eram evangelhos, cartas e atos dos apóstolos escritos em copta, língua falada pelos cristãos do Egito. O tesouro só foi descoberto 16 séculos depois, por aquele pastor que apresentamos lá no começo, e hoje está no Museu Copta do Cairo, à disposição do público.
O legado
Além desses, muitos outros apócrifos foram excluídos da Bíblia. É o caso dos Manuscritos do Mar Morto, descobertos em 1947, que apresentam cópias de livros do Antigo Testamento, deixadas pela seita judaica dos essênios. E do Evangelho Segundo Judas, descoberto na década de 1970, que conta uma história diferente sobre o discípulo que traiu Jesus. No total, são mais de 100 livros de valor inquestionável para os estudiosos das Escrituras. “São documentos essenciais para compreender a história do cristianismo no 1º e 2º séculos”, afirma o teólogo Paulo Nogueira, professor da Universidade Metodista de São Paulo.
Os apócrifos revelam que o Novo Testamento não nasceu pronto e acabado e que os textos que servem de base para a atual doutrina cristã passaram por um complicado processo de “edição”. Também deixam claro que, ao contrário do que se imaginava, o cristianismo praticado hoje não era o único nos primeiros séculos. Existiam vários cristianismos, cada um com sua própria interpretação da vida de Jesus e seus ensinamentos. Quem lê os escritos deixados por esses grupos pode conhecer outros pontos de vista sobre uma história contada há mais de 2 mil anos.
No entanto, é necessário afrouxar o julgamento antes de mergulhar na leitura. “Devemos compreender esses livros de modo ecumênico e tentando dialogar com os cristianismos de origem”, sugere o frei Jacir. É verdade que esse textos, muitas vezes coloridos e aberrantes, costumam chocar o leitor de primeira viagem. “Mas alguns também podem complementar a nossa fé”, adianta Jacir. Uma prova de que eles não são apenas uma “ameaça” aos cânones da Igreja Católica estão na religiosidade popular e na arte sacra, que buscaram inspiração nas histórias apócrifas. A famosa história dos 3 reis magos que levaram presentes ao menino Jesus e tudo que inspira os presépios natalinos, por exemplo, vêm dos evangelhos apócrifos.

Magdala, a favorita de Jesus

Apócrifos revelam que Maria despertava o ciúme dos apóstolos e que Jesus a beijava na boca
Maria Madalena – ou Miriam de Magdala, como está no hebraico – aparece nos apócrifos como uma mulher sábia e respeitada por Jesus. Ela acompanha o mestre em suas pregações e o ajuda a liderar os primeiros cristãos. O Evangelho de Filipe, do século 2, conta que ela era a seguidora preferida de Cristo, o que despertou o ciúme dos outros apóstolos. “Por que a amas mais que a todos nós?”, perguntavam eles ao Senhor. Uma passagem que ainda enfurece muitos cristãos diz que "o Senhor amava Maria mais do que a todos os discípulos e a beijava freqüentemente na boca". A liderança de Madalena também é mencionada no evangelho apócrifo que leva seu nome, também do século 2. Numa passagem, Pedro questiona: “Devemos mudar nossos hábitos e escutarmos todos essa mulher?” O texto revela que, apesar dos preconceitos, ela consegue se impor. É uma imagem distante da mulher impura e pecadora que a tradição da Igreja enfatizou durante séculos. Em 1969, o Vaticano reconheceu que houve uma confusão na interpretação das Escrituras (ela teria sido confundida com a pecadora que unge os pés de Jesus no Evangelho de Lucas) e retirou a denominação de prostituta que durante séculos pesou sobre Maria Madalena.

A redenção de Judas

Judas teria entregue Jesus a seu pedido
A história do discípulo que traiu seu mestre por 30 moedas de prata é uma das mais conhecidas do cristianismo. Segundo o Evangelho de Judas – um manuscrito copta (língua falada pelos antigos egípcios) escrito entre os séculos 3 e 4 – o apóstolo pode ter sido condenado injustamente pela história. No texto, descoberto nos anos 70, no Egito, o personagem mais odiado do cristianismo aparece como o discípulo mais próximo e querido de Jesus. Ele denuncia o mestre às autoridades romanas a pedido do próprio Messias, num plano que seria essencial em sua missão de salvar a humanidade. “Nesse contexto, a figura de Judas representa o ideal do discípulo que, recebida a iluminação, cumpre a vontade de Deus, mesmo que ela tenha a ver com a entrega de Jesus à morte”, diz o teólogo Luigi Schiavo. Na versão do Novo Testamento, Judas enforca-se, arrependido. No texto apócrifo é diferente. Ao compreender a importância de sua missão, Judas teria se retirado para meditar no deserto.

A infância de Cristo

Evangelhos mostram lado humano e divino
A literatura apócrifa conta várias histórias sobre a gravidez de Maria e os primeiros anos de vida de Jesus. É uma tentativa de preencher a lacuna da Bíblia, que faz uma única referência à infância do Messias, quando ele visita o Templo de Jerusalém, aos 12 anos. O Evangelho do Pseudo-Mateus, do século 3, conta que o menino fazia milagres ainda na barriga da mãe e que, desde criança, usava seus poderes para curar doentes e ressuscitar os mortos. Mas, quando irritado, ele se comportava como uma criança mimada e vingativa. Certo dia, um menino o derrubou no chão. Jesus então ordenou: “Caia morto!”, e o amigo morreu. Depois, arrependido, o fez ressuscitar. Um de seus passatempos preferidos seria criar seres de barro e lhes dar vida com um sopro. Essa faceta de Jesus pode assustar quem lê os apócrifos. Mas, para teólogo Jacir de Freitas, ela deve ser compreendida no contexto em que o livro foi escrito. “A intenção é mostrar que Jesus tem um lado humano e outro divino, o que é um reflexo de uma época em que a Igreja discutia qual era a natureza do filho de Deus.”

O quinto evangelho

Historiadores acreditam que Evangelho de Tomé seja inspiração de 3 dos canônicos
O Evangelho Segundo Tomé, do apóstolo que precisava “ver para crer”, é o mais polêmico do acervo de Nag Hammadi. O manuscrito contém 114 parábolas e frases atribuídas a Jesus. As citações são semelhantes às da Bíblia, mas refletem o pensamento gnóstico. Nele, Jesus aparece como um mestre mais místico, que orienta os discípulos a reconhecer sua identidade divina e a buscar Deus em qualquer lugar. Ele foi excluído, apesar de ter sido escrito por volta dos anos 60 e 70 do século 1, mesma época dos evangelhos que entraram para o cânone sob a justificativa de serem os relatos mais antigos do messias. Os pesquisadores chamam esse apócrifo de Quinto Evangelho e suspeitam que ele seja o famoso Fonte Q, escrito nunca achado que teria sido a base de 3 dos 4 evangelhos canônicos. Se isso for verdade, os textos bíblicos são adaptações desse apócrifo, dono dos verdadeiros ensinamentos de Cristo.

Fonte:http://super.abril.com.br/historia/a-historia-secreta-do-cristianismo

Evangelhos apócrifos — verdades ocultas sobre Jesus?
“É UMA descoberta e tanto! Mas muita gente não vai gostar.” “Isso muda a história do início do cristianismo.” Foi isso o que disseram alguns eruditos que estavam animados com a publicação do “Evangelho de Judas”, um texto que se pensava estar perdido por mais de 16 séculos (acima).
Há um renovado interesse nos evangelhos apócrifos. Alguns afirmam que esses textos revelam acontecimentos e ensinos importantes da vida de Jesus que estavam ocultos por muito tempo. Mas o que são os evangelhos apócrifos? Será que realmente ensinam verdades sobre Jesus e o cristianismo que não estão na Bíblia?
Evangelhos canônicos e apócrifos
Entre 41 e 98 EC, Mateus, Marcos, Lucas e João escreveram a “história de Jesus Cristo”. (Mateus 1:1) Esses relatos também são chamados de “evangelhos”, que significa “boas novas” sobre Jesus Cristo. — Marcos 1:1.
É possível que tenham existido tradições orais e outros escritos que contassem a verdade sobre Jesus. No entanto, esses quatro Evangelhos foram os únicos considerados inspirados por Deus e dignos de fazer parte das Escrituras Sagradas, dando “a certeza das coisas” sobre a vida de Jesus na Terra e sobre seus ensinos. (Lucas 1:1-4; Atos 1:1, 2; 2 Timóteo 3:16, 17) Esses quatro Evangelhos constam em todos os catálogos antigos das Escrituras Gregas Cristãs. Não há base para se questionar sua canonicidade — sua condição como parte da Palavra inspirada de Deus.
Com o tempo, porém, começaram a surgir outros escritos que também receberam o nome de evangelhos. Esses outros evangelhos são chamados de apócrifos.*
No fim do segundo século, Irineu de Lyon escreveu que os que haviam apostatado do cristianismo tinham “incontáveis escritos apócrifos e espúrios”, incluindo evangelhos que “eles mesmos criaram para confundir a mente dos tolos”. Assim, ler e até mesmo possuir os evangelhos apócrifos passou a ser considerado perigoso.
No entanto, monges e copistas da Idade Média impediram que essas obras caíssem no esquecimento. No século 19, houve um grande aumento no interesse por esse assunto, e muitas coleções de textos e edições críticas de apócrifos, incluindo vários evangelhos, vieram à tona. Hoje há edições publicadas em muitos dos idiomas principais.
Evangelhos apócrifos: mitos sobre Jesus
Em geral, os evangelhos apócrifos se centralizam em pessoas de quem não se fala muito, ou absolutamente nada, nos Evangelhos canônicos. Ou contam supostos acontecimentos da infância de Jesus. Veja alguns exemplos.
▪ O “Protoevangelho de Tiago”, também chamado de “O Nascimento de Maria”, descreve o nascimento e a infância de Maria, bem como seu casamento com José. Por bons motivos, tem sido descrito como ficção religiosa e lenda. Promove a ideia da virgindade perpétua de Maria e obviamente foi escrito para glorificá-la. — Mateus 1:24, 25;13:55, 56.
▪ O “Evangelho da Infância Segundo Tomé” se concentra na infância de Jesus — quando ele tinha entre 5 e 12 anos — e lhe atribui vários milagres fantasiosos. (Veja João 2:11.) Jesus é apresentado como uma criança travessa, irritadiça e vingativa, que usava seus poderes milagrosos para se vingar de instrutores, de vizinhos e de outras crianças, chegando a deixá-los cegos ou aleijados e até a matá-los.
▪ Alguns evangelhos apócrifos, como o “Evangelho de Pedro”, falam de acontecimentos relacionados ao julgamento, morte e ressurreição de Jesus. Outros, como “Atos de Pilatos”, uma parte do “Evangelho de Nicodemos”, se centralizam em pessoas ligadas a esses acontecimentos. A invenção de fatos e até mesmo de pessoas tira totalmente o crédito desses textos. O “Evangelho de Pedro” procura inocentar Pôncio Pilatos e descreve a ressurreição de Jesus de forma fantasiosa.
Evangelhos apócrifos e a apostasia
Em dezembro de 1945, perto de Nag Hammadi, no Alto Egito, camponeses acharam por acaso 13 manuscritos em papiro com 52 textos. Esses documentos do quarto século foram atribuídos a um movimento religioso e filosófico chamado gnosticismo. Ele misturava elementos do misticismo, paganismo, filosofia grega, judaísmo e cristianismo, e foi uma influência corrompedora para alguns professos cristãos. — 1 Timóteo 6:20, 21.
O “Evangelho de Tomé”, o “Evangelho de Filipe” e o “Evangelho da Verdade”, que fazem parte da “Biblioteca de Nag Hammadi”, apresentam várias ideias místicas do gnosticismo como se fossem ideias de Jesus. O recém-encontrado “Evangelho de Judas” também é alistado entre os evangelhos gnósticos. Ele retrata Judas numa luz positiva como o único apóstolo que de fato entendia quem era Jesus. Certo especialista nesse evangelho mencionou que ele descreve Jesus como “instrutor e revelador de sabedoria e conhecimento, não como salvador que morreu pelos pecados do mundo”. Por outro lado, os Evangelhos inspirados ensinam que Jesus realmente morreu como sacrifício pelos pecados do mundo. (Mateus 20:28; 26:28; 1 João 2:1, 2) Fica claro que os evangelhos gnósticos visam enfraquecer, não fortalecer, a fé na Bíblia. — Atos 20:30.
A superioridade dos Evangelhos canônicos
Uma análise dos evangelhos apócrifos expõe o que eles realmente são. Comparados com os Evangelhos canônicos, fica óbvio que não foram inspirados por Deus. (2 Timóteo 1:13) Foram escritos por pessoas que nunca conheceram Jesus ou seus apóstolos e não revelam nenhuma verdade oculta sobre Jesus e o cristianismo. Pelo contrário, contêm relatos inexatos, inventados e fantasiosos que não ajudam em nada quem deseja conhecer Jesus e seus ensinos. — 1 Timóteo 4:1, 2.
Por outro lado, Mateus e João estavam entre os 12 apóstolos; Marcos e Lucas eram bem próximos dos apóstolos Pedro e Paulo, respectivamente. Eles escreveram seus Evangelhos sob a orientação do espírito santo de Deus. (2 Timóteo 3:14-17) Por isso, os quatro Evangelhos contêm tudo o que é preciso para se crer que “Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”. — João 20:31.
[Nota(s) de rodapé]
O termo “apócrifo” vem de uma palavra grega que significa “esconder”. Essa palavra originalmente se referia a um texto exclusivo dos seguidores de determinada corrente de pensamento, oculto aos leigos. Mas, com o tempo, passou a se referir a escritos não incluídos no cânon da Bíblia.
Fonte:http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/2012248

Um Jesus diferente 

Pesquisador diz o que foi escondido dos fiéis em séculos de preconceito e medo na Igreja

Welliton Carlos  


Apesar de existir um imenso debate sobre a interpretação dos evangelhos apócrifos encontrados, na sua grande maioria, em 1945, em Nag Hammadi (no Egito), poucas pessoas tiveram tempo de entender o que acontece de fato no meio religioso. 

Novas interpretações de uma descoberta de cinco décadas atrás estão questionando dogmas de fé do catolicismo, como a existência do pecado original, e até confirmando outros, como o da assunção de Maria aos céus, narrada com detalhes nos evangelhos apócrifos que tratam sobre a mãe de Deus. Ela aparece nos textos não como intercessora, mas como apóstola de seu filho e liderança no cristianismo. A leitura de gênero aplicada nos apócrifos evidencia a disputa de poder entre Pedro e Madalena. Esta última não é vista como prostituta, mas apóstola e amada de Jesus. Outra revelação é a de Jesus Cristo como líder político – uma nova imagem tão forte quanto a propagada pela igreja como homem místico com seus poderes de filho de Deus. Segundo o apócrifo de Tomé, Cristo era revolucionário político. 
Estes evangelhos, em parte, estão no Vaticano e apenas estudiosos do assunto têm o direito da consulta completa. Na internet proliferam interpretações dos textos que tratam dos apócrifos. Se existe polêmica em religião, esta é a maior delas. Frei Jacir de Freitas Faria, que estudou no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, informa ao Diário da Manhã que estes textos datam do ano 50 d.C até século VI e VII. “Eles ficaram escondidos por muito tempo. A igreja mandou para a fogueira esses textos por considerá-los heréticos, não aptos para a fé cristã”, diz frei Jacir. 
Ele prepara para março o lançamento do livro As Origens Apócrifas do Cristianismo, que será editado pela Edições Paulinas. O estudo consiste num comentário aos evangelhos de Madalena e Tomé e na apresentação da história de Maria, a mãe de Jesus, de José e da infância de Jesus nos apócrifos. Jacir é um dos maiores pesquisadores sobre o tema no país. Para ele, o assunto fascina, pois inverte muitos aspectos tidos como certos ao longo do cristianismo. 
Ele indica que a forma com que a tradição cristã tratou Madalena está toda equivocada. “A interpretação feita pela Igreja de Lc 7, 36-50, que identificou a pecadora citada como sendo Maria Madalena, fez dela uma prostituta. Fato que ninguém mais ousou duvidar”, diz. No evangelho de Madalena e em outros apócrifos, ela é apresentada como liderança forte e que ameaçava Pedro ao ponto dele tramar contra ela, pedindo a Jesus que a expulsasse do grupo dos apóstolos. “Com a divulgação destes evangelhos, é possível perceber também um outro perfil de Pedro, um homem misógino, machista”, diz o frei. 
A pesquisa de frei Jacir retorna aos primórdios do cristianismo. Desvenda uma época pré-igreja Católica, pois mostra as origens dos seguidores de Cristo e o modo como entenderam Jesus e sua mensagem. O que temos na Bíblia é a versão que se tornou oficial, canônica. O teólogo Antônio Maria diz que conhece os evangelhos narrados pelo frei Jacir, mas prefere acreditar na Bíblia tradicional. “Nada impede de se discutir estes temas, mas o mais valioso, com certeza, se encontra na Bíblia”, diz o pesquisador goiano. 
Visão integrada
Jacir explica que não existiu um só cristianismo. Ou seja, não existiu apenas uma versão dos fatos daquele período. A importância de saber que existiam diversos seguidores de Cristo ajuda a entender como uma única visão integrada surgiu. Com estas pesquisas pode-se descobrir que a Igreja dos séculos que se seguiram aos fatos narrados com Jesus acabou escolhendo uma verdade em seu interior, a que adequava aos seus objetivos. “Podemos falar de vários cristianismos, aquele da comunidade de Marcos, de Mateus, de Lucas, de João, de Tiago, irmão de Jesus, de Maria Madalena, de Tomé, de Paulo, dos Atos dos apóstolos”, afirma. 

Cada comunidade deu o seu tom ao seu escrito. Mateus enfocou o lado judeu de Jesus. Marcos, o Jesus missionário; Lucas, o Jesus salvador da humanidade; Atos dos Apóstolos, o Jesus da apostolicidade; Paulo, o Jesus ressuscitado. Maria Madalena procurou traçar o perfil de Jesus ressuscitado, humano e revelador de ensinamentos divinos. Tomé revelou o Jesus judeu revolucionário, anti-romano e místico. Tiago, o irmão de Jesus, anunciou o Cristo revolucionário, mas foi abafado. 
O cristianismo subseqüente, mesmo sendo perseguido por Roma, foi se adequando ao império. O gnosticismo, outra corrente de pensamento nas origens do cristianismo, considerada herética, resistiu à institucionalização da religião. O cristianismo, que deu o tom aos ensinamentos vindouros sobre Cristo, foi o da apostolicidade, liderado por homens que impediram a liderança das mulheres. Isso não acontecia com grupos gnósticos, onde as mulheres eram mestras, profetisas e sacerdotisas. Houve disputas teologais entre os primeiros cristãos. 
“Apontadas como heresia, as idéias de grupos, como os Gnósticos e Docetas, foram expulsas do cristianismo. Esses grupos criaram uma literatura alternativa, a apócrifa. Os gnósticos acreditavam que a salvação estava no conhecimento de Deus e em si mesmo e que não era necessário uma hierarquia eclesial para chegar a Deus. Cada um pode percorrer o seu caminho de Salvação. Isso criou problemas.”
Assim, as narrativas que falam de Jesus e do nascimento dos cristianismos são relatos sobre como os cristãos, judeus e não-judeus entendiam Jesus. Os relatos bíblicos são narrativas primeiro repassadas de forma oral. Pelos estudos de frei Jacir e outros estudiosos da religião, é possível identificar como chega até nós uma Bíblia que muito bem poderia ter outro conteúdo. Jacir afirma que o estudo desses evangelhos suscita opiniões divergentes entre os estudiosos. 
Existe uma corrente que defende a falsidade destes textos, os quais foram escritos por pessoas não confiáveis – e que por isso exageraram nas narrativas ou escreveram ‘verdades’ não-inspiradas. Outros, no qual ele se inclui, defendem que esses textos devem ser estudos de modo crítico e ecumênico. Respeitar a diversidade de pensamento na origem do cristianismo é um caminho salutar. Isso não significa, explica Jacir, proclamar a inspiração desses textos, mas dialogar com eles e descobrir, por exemplo, que a mulher tinha papel importante no início do cristianismo, que Deus era visto com Pai e Mãe, mas vingou a idéia de Deus-Pai. 
Além disso, nascemos em estado de graça, sem pecado ‘original’. “Não há pecado! Somos nós que criamos o pecado, quando agimos conforme os hábitos de nossa natureza adultera”, diz, segundo o evangelho de Maria Madalena. “É bem certo que os exageros nos apócrifos devem ser compreendidos no contexto da piedade popular que queria enaltecer Jesus e seus seguidores”, afirma Frei Jacir.

Idéias adormecidas


O que os apócrifos elucidam  

A partir do séc. III, Maria Madalena foi interpretada como prostituta, impura e pecadora. O que fez dela modelo para o cristianismo: a pecadora redimida, em contraposição a Maria, mãe de Jesus, virgem santa. Os apócrifos revelam que Maria Madalena era a mulher amada por Jesus e liderança apostólica. No texto apócrifo Pistis Sofia, ela conversa com Jesus e mostra ser sábia em seus apontamentos. No evangelho de Maria Madalena, após ter ouvido dela os ensinamentos de Jesus, Pedro questiona: ‘Será que nós devemos dar ouvidos ao que essa mulher diz? Devemos mudar nossos hábitos? Será que o Mestre a preferiu a nós?’ “Maria Madalena ameaçava a liderança dos homens. Fazer dela uma prostituta significou minimizar o seu papel de liderança no início do cristianismo, assim como tantas outras mulheres que caíram no ostracismo. Estudar os apócrifos é resgatar também o papel da mulher na primeira hora do cristianismo”, afirma Frei Jacir.


Jesus beijava Maria Madalena  

Segundo o apócrifo de Felipe, Jesus beijava Madalena na boca. Jacir afirma que os documentos pesquisados apontam para grande ciúme dos discípulos em relação a esse amor. E ainda explica que o beijo, na visão semita, tem sentido de comunicar o espírito, o saber. Por outro lado, concorda que Jesus poderia ter beijado Maria Madalena em outro sentido. “Onde está o problema?”, questiona Frei Jacir. Este seria, assim, um Jesus mais humano e, por isso, divino, afirma. 
  
Pedro e as mulheres  


O líder maior nos textos canônicos é Pedro. Mas nos apócrifos, é visto como um homem que tem aversão às mulheres. “Não chega a ser uma questão de homossexualismo, mas de raiva, de ser intolerante com as mulheres”, afirma frei Jacir. No evangelho Pistis Sofia, Pedro fala com Cristo, pedindo a expulsão de Madalena. Para ele, Madalena conversava demais, impedindo que outros também falassem. Ela, por sua vez, diz a Cristo que também não mais suporta Pedro e que ele detesta o sexo oposto. O ódio de Pedro às mulheres é um dos pontos mais polêmicos dos novos estudos. No evangelho de Tomé, Jesus chega a dizer ironicamente a Pedro que faria Madalena transformar-se homem para que ela pudesse entrar no reino.  

Não existe pecado 
O dogma de que os seres humanos já nascem com pecado original foi formado pela Igreja ao longo da história. O estudo desses textos indica que o homem nasce, de fato, puro. “Depois, com o tempo, conforme nossas práticas, é que chegamos a uma situação pecaminosa”, conta frei Jacir. Em uma conversa entre Madalena e Pedro, no Evangelho de Maria Madalena, que não está na Bíblia, ela diz que o Mestre revelou: “Não há pecado.” Além de não adotar o que diz Madalena, a Bíblia e a própria igreja insistiu muito no pecado moral, se esquecendo dos pecados sociais. “Somos nós que fazemos existir o pecado, quando agimos conforme a nossa natureza adúltera”, diz o evangelho de Maria Madalena. Entre os cristãos havia a discussão sobre o pecado. Mais tarde, a idéia do pecado original ganhou força de dogma de fé: quando uma pessoa nasce já estará concebida em pecado. “Os antigos até ensinavam que quando uma criança morria sem ser batizada, ela vomitaria o leite do pecado que a sua mãe lhe havia oferecido. Que absurdo! Uma criança não pode nascer em pecado. Ela é totalmente graça. Pecado original entendido desse jeito só pode ser original na cabeça de quem o inventou. 


Tomé apresenta um Jesus revolucionário 

Nos evangelhos canônicos, Tomé é aquele que não acreditou, por não ter uma fé suficiente. Nos apócrifos, Tomé recebe ensinamentos secretos de Jesus e não os revela aos discípulos. Seu evangelho alternativo apócrifo traz duas novidades: a dimensão mística do cristão, influenciada pelo gnosticismo, e a visão revolucionária do projeto de Jesus. Por exemplo, a parábola do semeador também está em Tomé, mas não a sua interpretação, isto é, a alegoria.


Fonte:http://www.saindodamatrix.com.br/archives/jesus-diferente.htm

     Os evangelhos apócrifos - textos que foram proibidos pela Igreja e que desapareceram por mais de um milênio - trazem um Jesus diferente daquele que conhecemos.
     Quem não conheceu a si mesmo não conhece nada, mas quem se conheceu veio a conhecer simultaneamente a profundidade de todas as coisas.
      Esta frase acima é atribuída a Jesus Cristo. Mas não adianta ir procurá-la na Bíblia. Ela não está em nenhum lugar dos Evangelhos de Lucas, Marcos, Mateus ou João, os únicos relatos da vida de Jesus que a Igreja considera autênticos. A citação faz parte de um outro evangelho – o de Tomé. Também não perca seu tempo procurando por esse livro no Novo Testamento. Não há por lá nenhum evangelho com o nome do mais cético dos apóstolos, aquele que queria "ver para crer".
      Acontece que o texto existe. E é um documento antigo – segundo alguns pesquisadores, tão antigo quanto os que estão na Bíblia (veja quadro na página 51). O Evangelho de Tomé, assim como outras dezenas – ou centenas – de textos semelhantes, foi escrito por alguns dos primeiros cristãos, entre os séculos 1 e 3 da nossa era. Ele foi cultuado por muito tempo. Até que, em 325, sob o comando do imperador romano Constantino, a Igreja se reuniu na cidade de Nicéia, na atual Turquia, e definiu que, entre os inúmeros relatos sobre a vinda de Cristo que existiam, só quatro eram "inspirados" pelo filho de Deus – os "evangelhos canônicos" ("evangelho" vem da palavra grega que significa "boa nova", usada para designar a notícia da chegada de Cristo, e "canônico" é aquele que entrou para o cânone, a lista dos textos escolhidos). Os outros eram "apócrifos" (de legitimidade duvidosa). Estes foram proibidos, seus seguidores passaram a ser considerados hereges e muitos foram excomungados, perseguidos, presos. A maioria dos apócrifos acabou destruída e os textos sumiram, alguns para sempre.
      Mas nem todos. O Evangelho de Tomé, o de Filipe e o de Maria Madalena, por exemplo, escaparam por pouco da destruição – graças a um egípcio anônimo. Em algum momento do século 4, esse egípcio teve a boa idéia de esconder num jarro de barro cópias manuscritas na língua copta desses textos e de muitos outros ameaçados pela perseguição da Igreja. O jarro ficou 1 600 anos sob a areia do deserto. Acabou resgatado por um grupo de beduínos, em 1945, perto da cidade egípcia de Nag Hammadi. Só nos últimos anos os textos acabaram de ser traduzidos e chegaram ao conhecimento dos cristãos do mundo.
      Assim, por acidente, alguns apócrifos sobreviveram ao tempo. E agora, 2 mil anos depois da morte de Cristo, eles estão fazendo um tremendo sucesso. Inspiram filmes milionários (como Matrix) e best sellers (como O Código Da Vinci). São adotados por seitas cristãs, geram religiões, dão origem a teorias conspiratórias e são cada vez mais lidos por fiéis do mundo, inclusive cristãos tradicionais, que não vêm contradição entre alguns desses textos e a religião que eles seguem. Só no Brasil há pelo menos 30 grupos cujas crenças são baseadas nos apócrifos. Como explicar essa súbita popularidade para textos que estiveram sumidos por mais de um milênio e meio?
     Talvez a principal razão seja o fato de que os textos revelam mais sobre Jesus. Os quatro evangelhos canônicos contam uma história fascinante, mas deixam muitas brechas. Os cristãos do mundo têm vontade de saber mais sobre esse homem, ainda que seja através de textos que a Igreja não considera legítimos.
      E vários dos apócrifos trazem passagens reveladoras para aqueles que tentam enxergar o homem por trás do Deus. "É um Jesus mais humano, em situações mais próximas da vida de homens e mulheres de hoje", diz o jornalista espanhol Juan Arias, do El País, autor de livros sobre a história do cristianismo. Arias, que cobriu o Vaticano por 14 anos, está terminando um livro em que resume as pesquisas históricas a respeito de Maria. Um dos temas que ele examina é a falta de referência em alguns apócrifos à virgindade da mãe de Jesus. "Que mulher se identifica com outra que foi mãe sem perder a virgindade?", pergunta.
      Além disso, vários apócrifos trazem o retrato de um Jesus diferente do que conhecíamos. "As questões de gênero, as relações de poder e até mesmo a espiritualidade estão colocadas em termos mais ecumênicos e holísticos nos apócrifos", diz o frei franciscano Jacir de Freitas Farias, professor do Instituto São Tomás de Aquino, em Belo Horizonte. Frei Jacir promove retiros em que evangelhos apócrifos, meditação e ioga se misturam para proporcionar conforto espiritual aos participantes.
      Veja por exemplo aquela citação lá atrás, a que abre a reportagem. O que está escrito ali é que nada é mais importante que a sabedoria, e que o autoconhecimento é o caminho para a sabedoria. Essa idéia – que não é muito diferente daquilo que prega o budismo – está completamente ausente dos evangelhos de Mateus, Marcos, João e Lucas. Qualquer bom cristão sabe que o Novo Testamento oferece um caminho de só duas pistas para a salvação. Primeiro: é preciso ter fé (ela remove montanhas). Segundo: suas ações têm que ser boas (ame o próximo como a si mesmo). Em nenhum lugar há referência a outra rota para o Paraíso. Nem Lucas, nem Marcos, nem Mateus, nem João mencionam a salvação pelo autoconhecimento, ou pela sabedoria.
      Se o cristianismo tradicional ignorava a importância do autoconhecimento, a idéia não é nova para nós, ocidentais do século 21. Sigmund Freud, no século 19, trouxe para a ciência a idéia de que há algo para ser descoberto dentro de nós mesmos – no caso, o subconsciente – e que esse algo pode nos trazer conforto e felicidade. Talvez esteja aí – na herança freudiana – uma das explicações para o sucesso dos apócrifos nos tempos atuais.
      Há outras. O Evangelho de Tomé e outros apócrifos falam ao coração de um contingente que não pára de crescer nos tempos atuais: os ávidos por espiritualidade, mas desconfiados da religião (é bom lembrar que a maior parte dos católicos brasileiros se diz "não praticante"). "O reino está dentro de vós e também em vosso exterior. Quando conseguirdes conhecer a vós mesmos, sereis conhecidos e compreendereis que sois os filhos do Pai Vivo. Mas, se não vos conhecerdes, vivereis na pobreza e sereis a pobreza", diz o texto de Tomé.
      Muitos apócrifos pregam também códigos de conduta menos rígidos que os do cristianismo tradicional. Numa passagem do Evangelho de Maria Madalena, Cristo diz que "eu não deixei nenhuma ordem senão o que eu lhe ordenei, e eu não lhe dei nenhuma lei, como fez o legislador, para que não seja limitada por ela". Esse trecho parece contrariar a própria autoridade da Igreja. Em Tomé, também aparece um Jesus menos dado a imposições, que diz "não façais aquilo que detestais, pois todas as coisas são desveladas aos olhos do Céu". Bem diferente das aulas de catecismo, não?
      Outra novidade é que vários apócrifos valorizam o papel da mulher. Os evangelhos de Filipe e de Maria Madalena afirmam que Madalena recebia revelações privilegiadas do Salvador. "O Senhor amava Maria mais do que todos os discípulos e a beijou na boca repetidas vezes", afirma o de Filipe. Para Karen King, historiadora eclesiástica da Universidade Harvard, Madalena estava tão autorizada a pregar a palavra de Jesus quanto os 12 apóstolos. "Os textos mostram que Maria Madalena entendeu os ensinamentos de Jesus melhor do que ninguém", afirmou, em entrevista à revista National Geographic.
      Sem falar que muitos apócrifos deixam em segundo plano uma velha conhecida dos cristãos: a culpa. Você conhece a história dos livros canônicos: eu e você somos pecadores, e Cristo morreu na cruz para nos salvar. Nós pecamos, ele morreu – durma-se com isso na consciência. Já os evangelhos de Tomé, Filipe e Maria Madalena não contêm uma só linha sobre o julgamento e a condenação de Jesus. Ou seja, a Paixão de Cristo, que hoje consideramos central para a fé cristã, não tinha a menor importância para os seguidores desses textos. Nada de culpa, portanto. Ele traz apenas charadas que convocam seus leitores a reflexões espirituais.
      Para resumir: os apócrifos revelam um Jesus mais democrático e menos sexista, mais tolerante e menos autoritário – características que combinam com nossos dias. Eles eliminam a culpa e abrem caminho para uma fé pessoal, algo que faz sucesso nestes tempos individualistas. Sem falar que estão cercados de uma charmosa aura de mistério. "Esta é uma sociedade que desconfia de qualquer instituição, então dizer que eles foram condenados pela Igreja vira um chamariz e tanto", diz o teólogo Pedro Vasconcellos, da PUC de São Paulo. Deu para entender por que eles estão tão na moda?
     Mas, afinal, que textos são esses? Dá para dizer que eles são vestígios de cristianismos perdidos. Sim, é isso mesmo: o cristianismo, no começo, não era um só, eram vários. "Nos séculos 2 e 3, havia cristãos que acreditavam em um Deus. Outros insistiam que Ele era dois. Alguns diziam que havia 30. Outros, 365", escreve Bart Ehrman, professor de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte, no livro Lost Christianities ("Cristianismos Perdidos", sem versão em português).
      Os primeiros cristãos viviam em comunidades clandestinas, que se reuniam às escondidas nas periferias das cidades e que tinham pouco contato umas com as outras. Essas comunidades eram lideradas muitas vezes por pessoas que conheceram Cristo ou pelos próprios apóstolos. Como Cristo não deixou nada escrito, coube a essas primeiras lideranças do cristianismo construir a religião.
      Não há como saber se o Evangelho de Mateus foi escrito pelo próprio Mateus. "Naquele tempo, como ainda hoje, não faltava quem se candidatasse a pregar em nome de um personagem tão importante", afirma o teólogo Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Mas é bastante provável que o texto tenha sido construído a partir dos ensinamentos do apóstolo recolhidos por seus seguidores. Da mesma forma, os evangelhos de João, Pedro, Maria Madalena, Tomé e Filipe devem ter sido os textos que guiavam as práticas dos grupos que se reuniram em torno dessas figuras importantes da religião nascente (ou que buscaram inspiração nelas). "Os evangelhos apócrifos, da mesma forma que os canônicos, não devem ser encarados como reproduções exatas das palavras de Jesus Cristo, mas como interpretações da mensagem dele feitas pelas primeiras comunidades cristãs", diz o teólogo Vasconcellos. É claro que essas interpretações nem sempre concordavam umas com as outras. E, portanto, é claro que, naquela aurora do cristianismo, produziram-se diversos textos – muitas vezes contraditórios entre si.
      Entre os primeiros grupos cristãos havia, por exemplo, os ebionitas, uma das seitas mais antigas. Eles se consideravam judeus e achavam que Jesus era o Salvador apenas do povo hebreu. Os ebionitas mantinham os rituais judaicos, rezavam voltados para Jerusalém e acreditavam que Cristo tinha sido especial não por ser filho de Deus, mas por ter seguido à perfeição a lei judaica.
      No outro extremo, estavam os marcionitas, para quem havia dois deuses. O primeiro deles seria um deus mau – o deus dos judeus, responsável por tudo de ruim no planeta. Jesus seria o segundo, um deus bom, que teria surgido para nos liberar da divindade maligna. Esse cristianismo, que hoje soa bizarro, foi popular no começo do século 2, antes de ser condenado como heresia em 139. Uma das razões para o sucesso é que a tese de dois deuses exclui a culpa cristã. Se um deus mau criou o mundo, é ele o responsável pelos sofrimentos sobre a terra.
      Os gnósticos tinham crenças aparentadas às dos marcionistas. Também para eles o mundo foi criado por uma divindade imperfeita e não havia por que nos sentirmos culpados pelos males que existem. A diferença é que os gnósticos acreditavam que o Deus bom influiu na criação. Ele dotou cada um dos seres humanos de uma centelha divina – que nos dava a capacidade de despertar dessa imperfeição e conhecer a verdade. Se conseguirmos acumular conhecimento (gnosis, em grego), nos libertaremos desse mundo mau e estaremos salvos. Cristo, para os gnósticos, seria um enviado desse Deus verdadeiro, cujo objetivo seria nos ensinar a despertar. A escrita e a leitura cumpririam um papel importante nesse processo, e por isso eles deixaram muitos textos (boa parte dos apócrifos são gnósticos). Nota-se uma forte influência da filosofia grega nesse cristianismo.
      Há uma boa pitada de gnosticismo naquela frase do Evangelho de Tomé que abre esta reportagem. Mas os tomasinos (seguidores de Tomé) eram uma seita à parte. Eles também acreditavam na salvação pelo conhecimento, mas iam além: pregavam que a busca é completamente individual. Os tomasinos rejeitavam a hierarquia – e, portanto, a Igreja. A salvação está dentro de cada um de nós e podemos atingi-la sem a ajuda de um padre.
      E havia, claro, os seguidores de Paulo e os de Pedro, fortes especialmente em Roma, bem no centro do império. Esse grupo, no início, não era maior nem mais representativo que os outros. A proximidade com a burocracia estatal que administrava o Império Romano certamente exerceu influência sobre ele – não é à toa que o cristianismo romano era o mais organizado e hierarquizado de todos.
      Cada uma dessas comunidades cristãs seguia um certo conjunto de textos – e rejeitava outros. Mas a maioria considerava legítimos os evangelhos de Marcos, Matias, Lucas e João, que provavelmente são os mais antigos e menos controversos. Em 312, o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo. E foi o cristianismo de Roma que ele escolheu. Constantino administrava um império que era quase "universal", e queria também uma "Igreja universal". Quando, 13 anos depois, sob as ordens do imperador, a Igreja se reuniu para decidir o que era o cristianismo, os bispos de Roma, mais organizados e com o apoio decisivo do imperador, sobressaíram nas discussões. "O credo de Nicéia acabaria por se tornar a doutrina oficial que todos os cristãos deveriam aceitar para participar da Santa Igreja, a Igreja Católica", escreve o teóloga Elaine Pagels, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, no livro Além de Toda Crença: O Evangelho Desconhecido de Tomé.
      Os textos que não davam importância à crucificação de Cristo acabaram proibidos. Afinal, a Igreja romana, que cresceu em meio a violentas perseguições, valorizava muito o martírio – associado ao martírio de Cristo. Os evangelhos dos tomesinos, que pregavam a busca individual pela salvação, também caíram fora. A hierarquizada Igreja de Roma obviamente não simpatizava com essas idéias libertárias. Entre os textos que foram proibidos, vários faziam parte das bibliotecas gnósticas. Para Eusébio de Cesária, que no século 4 escreveu o primeiro livro sobre a história do cristianismo, o gnosticismo estava sendo introduzido pelo demônio, "que odeia o que é Deus, que é inimigo da verdade, hostil à salvação do mundo, voltando todas suas forças contra a Igreja". Acredita-se que os manuscritos de Nag Hammadi sejam tesouros salvos da biblioteca gnóstica do Mosteiro de São Pacômio, que ficava lá perto.
      Ninguém sabe ao certo quantos evangelhos foram suprimidos. O que se sabe é que só quatro livros foram considerados "corretos". Apenas neles "o ensinamento das linhas de Deus é proclamado. Não acrescentem nada a eles, não deixem nada se afastar deles", segundo um decreto de um bispo de Alexandria. Daí para a frente, haveria quatro evangelhos. E, pela primeira vez, um só cristianismo.
     Voltemos então à pregação gnóstica, expressa em vários dos evangelhos apócrifos. O mundo é mau por natureza, mas cada um de nós traz dentro de si uma centelha e, se atingirmos o conhecimento, iremos despertar. Jesus veio à Terra para nos ensinar o caminho. Agora substitua nessa história o nome de Jesus pelo de Neo. E temos um dos maiores sucessos pop dos últimos anos, a trilogia Matrix.
      Matrix fez tanto sucesso porque toca num tema com o qual é difícil não se identificar: a sensação de não pertencer a esse mundo, de se sentir estranho nele, e de que ele é banal demais para nossas altas aspirações espirituais. É claro que seria um absurdo dizer que o sujeito que saiu do cinema empolgado com a saga dos irmãos Wachowski tenha sido tocado pelo mesmo tipo de revelação que os cristãos envolvidos pelas pregações gnósticas no século 2 ou 3. Mas talvez não seja por coincidência que o roteiro, inspirado por textos gnósticos, tenha soado tão transcendental .
      Os evangelhos apócrifos, assim como os canônicos, foram escritos por pessoas inquietas, numa época conturbada e difícil, em que as antigas respostas já não davam conta de acalmar os espíritos. É claro que os tempos, hoje, são muito diferentes. Mas, de novo, boa parte da humanidade está inquieta e insatisfeita com as respostas que existem. Tem muita gente em busca de alguma coisa que torne nossa existência mais transcendente, mais valiosa. E esses textos escritos por outros homens, numa busca parecida, podem nos dar uma dica de onde começar a procurar.
     Um dos critérios para explicar por que só os evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João entraram na Bíblia é a datação. Um consenso entre os especialistas situa os canônicos como tendo sido escritos entre 60 e 90. Já os apócrifos teriam sido produzidos a partir do século 2. Mas também sobre essa questão pairam dúvidas.
      Está lá no Evangelho de João. Cristo disse: "Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram". Alguns pesquisadores, como a americana Elaine Pagels, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, acham que o autor do texto, quando o escreveu, estava respondendo ao Evangelho de Tomé. Se a tese dela está correta, o Evangelho de Tomé é mais antigo que o de João.
      Segundo essa teoria, o Evangelho de João seria um esforço para negar que a salvação pudesse ser atingida pela busca pessoal do autoconhecimento, tese central de Tomé. O Evangelho de João coloca então Tomé no papel do cético exagerado que é repreendido por Cristo. E conclui apontando um caminho mais simples para a salvação: basta acreditar nela. A fé salva.
     Evangelho - Evangelho de Pedro
     Conteúdo - Provavelmente circulou no século 2, tendo sua autoria atribuída ao apóstolo Pedro. Conta uma versão diferente da ressurreição de Cristo: o Salvador teria sido conduzido ao céu por dois anjos
     Por que foi proibido - Foi acusado de uma heresia chamada "docetismo", pela qual Jesus era somente espírito
      Como foi descoberto - Arqueólogos franceses encontraram um fragmento do texto na tumba de um monge no Egito, em 1886
      Evangelho - Evangelho de Filipe
      Conteúdo - Traz histórias que não estão na Bíblia, como a de que Jesus mudava de aparência para conhecer aqueles a quem se revelava. Sugere seu relacionamento com Madalena. Circulou no século 3
      Por que foi proibido - Por ser gnóstico e afirmar que só mulheres virgens entravam no Paraíso (o que inviabilizaria as famílias)
     Como foi descoberto - Foi encontrado em 1945, em meio aos manuscritos enterrados num vaso em Nag Hammadi
     Evangelho - Evangelho de Maria Madalena
     Conteúdo - Num dos poucos fragmentos que restaram, Cristo ressuscitado instrui os discípulos a espalhar o gnosticismo e avisa que não deixou leis. Afirma que Jesus transmitiu segredos a Madalena
     Por que foi proibido - O texto é escrito de acordo com o gnosticismo, que foi condenado como heresia
     Como foi descoberto - Um pedaço foi descoberto em um mosteiro egípcio em 1896. Outra versão estava em Nag Hammadi
      Evangelho - Evangelho de Tomé
     Conteúdo - São 114 frases atribuídas a Jesus. Nelas, Ele afirma que a salvação vem do autoconhecimento e que a centelha divina está em cada um. Alguns pesquisadores dizem que o texto é do século 1
      Por que foi proibido - Foi combatido pelos primeiros padres da Igreja por causa de seu contéudo gnóstico
     Como foi descoberto - É um dos textos que estavam perdidos até a descoberta de Nag Hammadi, em 1945
     "Jesus disse ao jovem o que devia fazer, e à noite este veio a ele com um vestido de linho sobre o corpo nu. E ficaram juntos aquela noite, pois Jesus ensinou-lhe o mistério do reino de Deus." Esse trecho explosivo foi divulgado nos anos 70 por Morton Smith, pesquisador da Universidade da Califórnia.
      Um Evangelho gay? Ou uma flasificação competente?
      Morton afirma que organizava a biblioteca do mosteiro de Mar Saba, próximo a Jerusalém, em 1958, quando encontrou a citação copiada na contracapa de um livro. O trecho teria vindo de um certo Evangelho Secreto de Marcos, escrito pelo mesmo autor do Evangelho de Marcos.
      Especialistas confirmaram que o texto correspondia ao estilo do autor. Morton publicou dois livros polêmicos em que defendia a tese de que a conjunção carnal fazia parte da iniciação cristã. Seria uma grande descoberta, não fosse um detalhe: o único que viu o achado foi o próprio Morton. O livro sumiu do mosteiro. Portanto, uma dúvida insolúvel ronda o suposto evangelho homoerótico: seria verdadeiro ou uma fraude engendrada por um exímio conhecedor de textos antigos?
      Apócrito é POP
      A trilogia Matrix não é o único sinal da influência dos evangelhos apócrifos sobre a cultura pop. Outro que se fartava na fonte era o autor de ficção científica Philip K. Dick. O escritor, cujos livros inspiraram filmes como o clássico-mor do sci-fi, Blade Runner, e também Minority Report (de Spielberg) e O Troco (de John Woo), era entusiasta de textos gnósticos, que abasteceram a "dualidade bem e mal" em sua obra. Outra história pop é a do relacionamento entre Maria Madalena e Jesus Cristo. O megabest seller O Código Da Vinci, do americano Dan Brown, pega carona nessa onda e sustenta uma trama mirabolante sobre os filhos de Jesus e Madalena, que será levado às telas em 2005, pelas mãos do diretor Ron Howard. Hollywoodianamente, a influência dos apócrifos pôde ser vista até mesmo em blockbusters descartáveis, caso do rocambolesco Stigmata. Nele, a atriz Patricia Arquette é acometida pelas chagas de Cristo. Num clima de suspense de segunda, o filme evoca os escritos de Tomé quando entra no assunto de que a Igreja seria dispensável para que o cristão se aproximasse de Deus. Detalhe bizarro: algumas cenas se passam no Brasil e os figurantes falam uma tosca mistura de português, espanhol e italiano.
      Na livraria:
      Lost Christianities: The Battles for Scripture and the Faiths We Never Knew - Bart D. Ehrman, Oxford University Press, EUA, 2003
      Além de Toda Crença: O Evangelho Desconhecido de Tomé - Elaine Pagels, Objetiva, Rio de Janeiro, 2003
     Apócrifos da Bíblia e Pseudo-Epígrafos - Cristão Novo Século, São Paulo, 2004
     As Origens Apócrifas do Cristianismo - Jacir de Freitas Faria, Paulinas, São Paulo, 2003
      Jesus, Esse Grande Desconhecido - Juan Arias, Objetiva, Rio de Janeiro, 2002


Autor: Érica Montenegro
Fonte: Revista - Super interessante
Jesus Proibido

.
Por: Erica Montenegro

Quem não conheceu a si mesmo não conhece nada, 
mas quem se conheceu veio a conhecer simultaneamente 
a profundidade de todas as coisas.
Esta frase acima é atribuída a Jesus Cristo. Mas não adianta ir procurá la na Bíblia. Ela não está em nenhum lugar dos Evangelhos de Lucas, Marcos, Mateus ou João, os únicos relatos da vida de Jesus que a Igreja considera autênticos. A citação faz parte de um outro evangelho   o de Tomé. Também não perca seu tempo procurando por esse livro no Novo Testamento. Não há por lá nenhum evangelho com o nome do mais cético dos apóstolos, aquele que queria "ver para crer".
Acontece que o texto existe. E é um documento antigo   segundo alguns pesquisadores, tão antigo quanto os que estão na Bíblia. O Evangelho de Tome, assim como outras dezenas   ou centenas   de textos semelhantes, foi escrito por alguns dos primeiros cristãos, entre os séculos 1 e 3 da nossa era. Ele foi cultuado por muito tempo. Até que, em 325, sob o comando do imperador romano Constantino, a Igreja se reuniu na cidade de Nicéia, na atual Turquia, e definiu que, entre os inúmeros relatos sobre a vinda de Cristo que existiam, só quatro eram "inspirados" pelo filho de Deus   os "evangelhos canônicos" ("evangelho" vem da palavra grega que significa "boa nova", usada para designar a notícia da chegada de Cristo, e "canônico" é aquele que entrou para o cânone, a lista dos textos escolhidos). Os outros eram "apócrifos" (de legitimidade duvidosa). Estes foram proibidos, seus seguidores passaram a ser considerados hereges e muitos foram excomungados, perseguidos, presos. A maioria dos apócrifos acabou destruída e os textos sumiram, alguns para sempre.
Mas nem todos. O Evangelho de Tomé, o de Filipe e o de Maria Madalena, por exemplo, escaparam por pouco da destruição  graças a um egípcio anônimo. Em algum momento do século 4, esse egípcio teve a boa idéia de esconder num jarro de barro cópias manuscritas na língua copta desses textos e de muitos outros ameaçados pela perseguição da Igreja. O jarro ficou 1 600 anos sob a areia do deserto. Acabou resgatado por um grupo de beduínos em 1945, perto da cidade egípcia de Nag Hammadi. Só nos últimos anos os textos acabaram de ser traduzidos a chegaram ao conhecimento dos cristãos do mundo.
 


Caverna Nag Hammadi
Assim, por acidente, alguns apócrifos sobreviveram ao tempo. E agora, 2 mil anos depois da morte de Cristo, eles estão fazendo um tremendo sucesso. Inspiram filmes milionários (como Matrix) e best sellers (como O Código Da Vinci). São adotados por seitas cristãs, geram religiões, dão origem a teorias conspiratórias e são cada vez mais lidos por fiéis do mundo, inclusive cristãos tradicionais, que não vêm contradição entre alguns desses textos e a religião que eles seguem. Só no Brasil há pelo menos 30 grupos cujas crenças são baseadas nos apócrifos (referência: em 2004). Como explicar essa súbita popularidade para textos que estiveram sumidos por mais de um milênio e meio?
Talvez a principal razão seja o fato de que os textos revelam mais sobre Jesus. Os quatro evangelhos canônicos contam uma história fascinante, mas deixam muitas brechas. Os cristãos do mundo têm vontade de saber mais sobre esse homem, ainda que seja através de textos que a Igreja não considera legítimos.
E vários dos apócrifos trazem passagens reveladoras para aqueles que tentam enxergar o homem por trás do Deus. "É um Jesus mais humano, em situações mais próximas da vida de homens e mulheres de hoje", diz o jornalista espanhol Juan Arias, do “El País”, autor de livros sobre a história do cristianismo. Arias, que cobriu o Vaticano por 14 anos, está terminando um livro em que resume as pesquisas históricas a respeito de Maria. Um dos temas que ele examina é a falta de referência em alguns apócrifos à virgindade da mãe de Jesus. "Que mulher se identifica com outra que foi mãe sem perder a virgindade?", pergunta.
 


Manuscritos
Além disso, vários apócrifos trazem o retrato de um Jesus diferente do que conhecíamos. "As questões de gênero, as relações de poder e até mesmo a espiritualidade estão colocadas em termos mais ecumênicos e holísticos nos apócrifos", diz o frei franciscano Jacir de Freitas Farias, professor do Instituto São Tomás de Aquino, em Belo Horizonte. Frei Jacir promove retiros em que evangelhos apócrifos, meditação e ioga se misturam para proporcionar conforto espiritual aos participantes.
Veja por exemplo aquela citação lá atrás, a que abre a reportagem. O que está escrito ali é que nada é mais importante que a sabedoria, e que o autoconhecimento é o caminho para a sabedoria. Essa idéia   que não é muito diferente daquilo que prega o budismo   esta completamente ausente dos evangelhos de Mateus, Marcos, João a Lucas. Qualquer bom cristão sabe que o Novo Testamento oferece um caminho de só duas pistas para a salvação. Primeiro: é preciso ter fé (ela remove montanhas). Segundo: suas ações têm que ser boas (ame o próximo como a si mesmo). Em nenhum lugar ha referência a outra rota para o Paraíso. Nem Lucas, nem Marcos, nem Mateus, nem João mencionam a salvação pelo autoconhecimento, ou pela sabedoria.
Se o cristianismo tradicional ignorava a importância do autoconhecimento, a idéia não é nova para nós, ocidentais do século 21. Sigmund Freud, no século 19, trouxe para a ciência a idéia de que há algo para ser descoberto dentro de nós mesmos   no caso, o subconsciente   e que esse algo pode nos trazer conforto e felicidade. Talvez esteja aí   na herança freudiana   uma das explicações para o sucesso dos apócrifos nos tempos atuais.
Há outras. O Evangelho de Tomé e outros apócrifos falam ao coração de um contingente que não para de crescer nos tempos atuais: os ávidos por espiritualidade, mas desconfiados da religião (é bom lembrar que a maior parte dos católicos brasileiros se diz "não praticante"). "O reino está dentro de vós e também em vosso exterior. Quando conseguirdes conhecer a vós mesmos, sereis conhecidos e compreendereis que sois os filhos do Pai Vivo. Mas, se não vos conhecerdes, vivereis na pobreza e sereis a pobreza", diz o texto de Tome.
 


Apóstolo Thomé - Ver Para Crer
Muitos apócrifos pregam também códigos de conduta menos rígidos que os do cristianismo tradicional. Numa passagem do Evangelho de Maria Madalena, Cristo diz que "eu não deixei nenhuma ordem senão o que eu lhe ordenei, e eu não lhe dei nenhuma lei, como fez o legislador, para que não seja limitada por ela". Esse trecho parece contrariar a própria autoridade da Igreja. 
Em Tome, também aparece um Jesus menos dado a imposições, que diz "não façais aquilo que detestais, pois todas as coisas são desveladas aos olhos do Céu". Bem diferente das aulas de catecismo, não?
Outra novidade é que vários apócrifos valorizam o papel da mulher. Os evangelhos de Filipe a de Maria Madalena afirmam que Madalena recebia revelações privilegiadas do Salvador. "O Senhor amava Maria mais do que todos os discípulos e a beijou na boca repetidas vezes", afirma o de Filipe. Para Karen King, historiadora eclesiástica da Universidade Harvard, Madalena estava tão autorizada a pregar a palavra de Jesus quanto os 12 apóstolos. "Os textos mostram que Maria Madalena entendeu os ensinamentos de Jesus melhor do que ninguém", afirmou, em entrevista à revista National Geographic.
Sem falar que muitos apócrifos deixam em segundo plano uma velha conhecida dos cristãos: a culpa. Você conhece a história dos livros canônicos: eu e você somos pecadores, e Cristo morreu na cruz para nos salvar. Nós pecamos, ele morreu   durma se com isso na consciência. Já os evangelhos de Tomé, Filipe e Maria Madalena não contêm uma só linha sobre o julgamento e a condenação de Jesus. Ou seja, a Paixão de Cristo, que hoje consideramos central para a fé cristã, não tinha a menor importância para os seguidores desses textos. Nada de culpa, portanto. Ele traz apenas charadas que convocam seus leitores a reflexões espirituais.
 


Maria Madalena
Para resumir: os apócrifos revelam um Jesus mais democrático e menos sexista, mais tolerante e menos autoritário   características que combinam com nossos dias. Eles eliminam a culpa e abrem caminho para uma fé pessoal, algo que faz sucesso nestes tempos individualistas. Sem falar que estão cercados de uma charmosa aura de mistério. "Esta é uma sociedade que desconfia de qualquer instituição, então dizer que eles foram condenados pela Igreja vira um chamariz a tanto", diz o teólogo Pedro Vasconcellos, da PUC de São Paulo. Deu para entender por que eles estão tão na moda?
Mas, afinal, que textos são esses? Dá para dizer que eles são vestígios de cristianismos perdidos. Sim, é isso mesmo: o cristianismo, no começo, não era um só, eram vários. "Nos séculos 2 e 3, havia cristãos que acreditavam em um Deus. Outros insistiam que Ele era dois. Alguns diziam que havia 30. Outros, 365", escreve Bart Ehrman, professor de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte, no livro Lost Christianities ("Cristianismos Perdidos", sem versão em português).
Os primeiros cristãos viviam em comunidades clandestinas, que se reuniam às escondidas nas periferias das cidades e que tinham pouco contato umas com as outras. Essas comunidades eram lideradas muitas vezes por pessoas que conheceram Cristo ou pelos próprios apóstolos. Como Cristo não deixou nada escrito, coube a essas primeiras lideranças do cristianismo construir a religião.
 


Primeiros Cristãos
Não há como saber se o Evangelho de Mateus foi escrito pelo próprio Mateus. "Naquele tempo, como ainda hoje, não faltava quem se candidatasse a pregar em nome de um personagem tão importante", afirma o teólogo Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Mas é bastante provável que o texto tenha sido construído a partir dos ensinamentos do apóstolo recolhidos por seus seguidores. Da mesma forma, os evangelhos de João, Pedro, Maria Madalena, Tome e Filipe devem ter sido os textos que guiavam as práticas dos grupos que se reuniram em torno dessas figuras importantes da religião nascente (ou que buscaram inspiração nelas). "Os evangelhos apócrifos, da mesma forma que os canônicos, não devem ser encarados como reproduções exatas das palavras de Jesus Cristo, mas como interpretações da mensagem dele feitas pelas primeiras comunidades cristãs", diz o teólogo Vasconcellos. É claro que essas interpretações nem sempre concordavam umas com as outras. E, portanto, é claro que, naquela aurora do cristianismo, produziram se diversos textos   muitas vezes contraditórios entre si.
Entre os primeiros grupos cristãos havia, por exemplo, os ebionitas, uma das seitas mais antigas. Eles se consideravam judeus e achavam que Jesus era o Salvador apenas do povo hebreu. Os ebionitas mantinham os rituais judáicos, rezavam voltados para Jerusalém e acreditavam que Cristo tinha sido especial não por ser filho de Deus, mas por ter seguido à perfeição a lei Judáica.
No outro extremo, estavam os marcionitas, para quem havia dois deuses. O primeiro deles seria um deus mau   o deus dos judeus, responsável por tudo de ruim no planeta. Jesus seria o segundo, um deus bom, que teria surgido para nos liberar da divindade maligna. Esse cristianismo, que hoje soa bizarro, foi popular no começo do século 2, antes de ser condenado como heresia em 139. Uma das razões para o sucesso é que a tese de dois deuses exclui a culpa cristã. Se um deus mau criou o mundo, é ele o responsável pelos sofrimentos sobre a terra.
Os gnósticos tinham crenças aparentadas às dos marcionistas. Também para eles o mundo foi criado por uma divindade imperfeita e não havia por que nos sentirmos culpados pelos males que existem. A diferença é que os gnósticos acreditavam que o Deus bom influiu na criação. Ele dotou cada um dos seres humanos de uma centelha divina   que nos dava a capacidade de despertar dessa imperfeição e conhecer a verdade. Se conseguirmos acumular conhecimento (gnosis, em grego), nos libertaremos desse mundo mau a estaremos salvos. Cristo, para os gnósticos, seria um enviado desse Deus verdadeiro, cujo objetivo seria nos ensinar a despertar. A escrita e a leitura cumpririam um papel importante nesse processo, e por isso eles deixaram muitos textos (boa parte dos apócrifos são gnósticos). Nota se uma forte influência da filosofia grega nesse cristianismo.
 


Apócrifos
Há uma boa pitada de gnosticismo naquela frase do Evangelho de Tome que abre a esta reportagem. Mas os tomasinos (seguidores de Tome) eram uma seita à parte. Eles também acreditavam na salvação pelo conhecimento, mas iam além: pregavam que a busca é completamente individual. Os tomasinos rejeitavam a hierarquia   e, portanto, a Igreja. A salvação está dentro de cada um de nós e podemos atingí la sem a ajuda de um padre.
E havia, claro, os seguidores de Paulo a os de Pedro, fortes especialmente em Roma, bem no centro do império. Esse grupo, no início, não era maior nem mais representativo que os outros. A proximidade com a burocracia estatal que administrava o Império Romano certamente exerceu influência sobre ele não é à toa que o cristianismo romano era o mais organizado a hierarquizado de todos.
Cada uma dessas comunidades cristãs seguia um certo conjunto de textos   e rejeitava outros. Mas a maioria considerava legítimos os evangelhos de Marcos, Matias, Lucas a João, que provavelmente são os mais antigos e menos controversos. Em 312, o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo. E foi o cristianismo de Roma que ele escolheu. Constantino administrava um império que era quase "universal", e queria também uma "Igreja universal". Quando, 13 anos depois, sob as ordens do imperador, a Igreja se reuniu para decidir o que era o cristianismo, os bispos de Roma, mais organizados e com o apoio decisivo do imperador, se sobressaíram nas discussões. "O credo de Nicéia acabaria por se tornar a doutrina oficial que todos os cristãos deveriam aceitar para participar da Santa Igreja, a Igreja Católica", escreve o teólogo Elaine Pagels, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, no livro “Além de Toda Crença: O Evangelho Desconhecido de Tome”.
Os textos que não davam importância à crucificação de Cristo acabaram proibidos. Afinal, a Igreja romana, que cresceu em meio a violentas perseguições, valorizava muito o martírio   associado ao martírio de Cristo. Os evangelhos dos tomesinos, que pregavam a busca individual pela salvação, também caíram fora. A hierarquizada Igreja de Roma obviamente não simpatizava com essas idéias libertárias. Entre os textos que foram proibidos, vários faziam parte das bibliotecas gnósticas. Para Eusébio de Cesária, que no século 4 escreveu o primeiro livro sobre a história do cristianismo, o gnosticismo estava sendo introduzido pelo demônio, "que odeia o que é Deus, que é inimigo da verdade, hostil à salvação do mundo, voltando todas suas forças contra a Igreja". Acredita se que os manuscritos de Nag Hammadi sejam tesouros salvos da biblioteca gnóstica do Mosteiro de São Pacômio, que ficava lá perto.
 


Ruínas de um mosteiro Egípcio do séc IV
Ninguém sabe ao certo quantos evangelhos foram suprimidos. O que se sabe é que só quatro livros foram considerados "corretos". Apenas neles "o ensinamento das linhas de Deus é proclamado. Não acrescentem nada a eles, não deixem nada se afastar deles", segundo um decreto de um bispo de Alexandria. Daí para a frente, haveria quatro evangelhos. E, pela primeira vez, um só cristianismo.
Voltemos então à pregação gnóstica, expressa em vários dos evangelhos apócrifos. O mundo é mau por natureza, mas cada um de nós traz dentro de si uma centelha e, se atingirmos o conhecimento, iremos despertar. Jesus veio à Terra para nos ensinar o caminho. Agora substitua nessa história o nome de Jesus pelo de Neo. E temos um dos maiores sucessos pop dos últimos anos, a trilogia Matrix.
Matrix fez tanto sucesso porque toca num tema com o qual é difícil não se identificar: a sensação de não pertencer a esse mundo, de se sentir estranho nele, a de que ele é banal demais para nossas altas aspirações espirituais. É claro que seria um absurdo dizer que o sujeito que saiu do cinema empolgado com a saga dos irmãos Wachowski tenha sido tocado pelo mesmo tipo de revelação que os cristãos envolvidos pelas pregações gnósticas no século 2 ou 3. Mas talvez não seja por coincidência que o roteiro, inspirado por textos gnósticos, tenha soado tão transcendental .
 

Os evangelhos apócrifos, assim como os canônicos, foram escritos por pessoas inquietas, numa época conturbada e difícil, em que as antigas respostas já não davam conta de acalmar os espíritos. É claro que os tempos, hoje, são muito diferentes. Mas, de novo, boa parte da humanidade está inquieta e insatisfeita com as respostas que existem. Tem muita gente em busca de alguma coisa que torne nossa existência mais transcendente, mais valiosa. E esses textos escritos por outros homens, numa busca parecida, podem nos dar uma dica de onde começar a procurar.
Os evangelhos apócrifos   textos que foram proibidos pela Igreja a que desapareceram por mais de um milênio   trazem um Jesus diferente daquele que conhecemos. 

Fonte:http://www.imagick.org.br/pagmag/themas2/
JesusProibido.html

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